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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

No corpo de mulher marcas são troféus de grandes e pequenas maratonas

__Corpo de Mulher
Texto adaptado do livro ZENZELEU UMA CARTA PARA MINHA FILHA
Recordo-me que na véspera de meu casamento, enquanto eu experimentava o
Vestido pela vigésima vez, a mãe de meu amado entrou no meu quarto e fechou a
Porta. Se já me sentia inquieta, o aparecimento dela naquela hora me deixou bem
Mais nervosa. Minha sogra que vestia um vistoso camisolão estampado de flores e
Tinha nos cabelos grisalhos um majestoso lenço, parou perto da porta,
Firmando-se na bengala e me olhou fixamente por longos minutos.

Com certa dificuldade, caminhou até mim, segurou minha mão e disse:
- Venha cá minha filha. Sente-se quero lhe mostrar uma coisa.
Fiquei atordoada. Até aquele momento nós duas tínhamos tido pouquíssimo
Contato pessoal. Para meu horror e minha surpresa, a velha senhora começou a
Desabotoar a camisola. Lenta e penosamente, as mãos trêmulas começaram a
Revelar o que, para algumas pessoas, seria preferível esconder. Tentei desviar
O olhar, mas mesmo sem querer, vi de relance os seios dela, fartos e lustrosos
Como gigantescas ameixas penduradas na estrutura óssea.

Eu estava perplexa demais então, rindo sozinha com seus poucos dentes ela
Prosseguiu:
- Você agora tem a beleza da juventude, por isso pode estremecer diante de
Meus seios enrugados. Mas, espere só pra ver: na medida em que passarem as
Estações, sua cintura irá engrossar, seus quadris ficarão redondos e cheios
Como a lua e os peitos vão despencar como frutos que passaram da madureza
Dependurados na árvore.

Eu tentava desviar o olhar sem ser grosseira. Ela com os seios completamente
Descobertos, apertou minha mão direita entre as dela e levando minha mão até
A face me fez acariciar cada sulco de seu rosto. Enquanto dizia:
Isso foi das lágrimas que derramei quando seu amado nasceu. Nossa! Foi penoso.
Doeu como quando uma árvore é arrancada por um raio. Me fez ter vontade de
Cantar e de chorar ao mesmo tempo. Esta linha bem aqui foi quando ele começou
A falar, oh! Como eu ri! Foi um momento muito feliz! Este sulco aqui sinta
Como é fundo, foi quando ele saiu de casa para aderir à guerra. Meu Deus, como
Preocupei-me! E este vinquinho foi de sorrir com a lembrança do sucesso dele. E
Este, aí, não aperte muito, pois ainda dói. Surgiu quando o prenderam e
Espancaram, porque ele estava lutando por nossa liberdade.
Suspirando fundo, balançou a cabeça tristemente e fez com que minha mão
Descesse até seu seio.
- É daqui que vem a força de seu amado. Amamentei seis filhos, minha querida!
Todos fortes e saudáveis. Você olha para nós velhas, cobertas da cabeça aos
Pés por turbantes e saias compridas. E pensa que somos como freiras, temerosas
De mostrar os corpos porque é pecado. Mas não é verdade. É por que
Compreendemos os caminhos da natureza. No mato convivemos longa e profundamente com ela. É mulher, como nós.
Quando me soltou e começou a se vestir senti um alívio. E apontando para os
Seios e rugas, prosseguiu:
- Minha beleza agora esta aqui. Existem marcas de nascença e também estas
Outras. São marcas da vida. Meu rosto, do jeito como é. Um mapa das minhas
Fadigas e alegrias. É para mim tão precioso quanto sua cintura e seus seios
Redondos são pra você. É este o testemunho de amor que dei a mim e à
Minha família. Não existe aqui uma só marca que seja só minha. Elas
Pertencem a mim e às pessoas que amei. É um corpo de amor. Você o vê como
Algo velho, ressequido, sem vida, mas um dia entenderá que cada beleza tem a
Sua estação. O coco áspero e escamoso protege a carne e os sumos doces que
Estão dentro. O corpo da juventude conhece seu dia e deve vivê-lo
Integralmente. Também o corpo da colheita tem seu tempo. É o meu agora. É um
Corpo que ceifou, semeou e colheu a si mesmo. Algum dia chegará também o corpo
Da terra, o finalmente eterno, que não tem forma nem se extingue, para onde
Devemos todas retornar. Vim ver você esta noite, filha, para transmitir-lhe
Estas palavras que minha sogra me disse na véspera de meu casamento, tempos
Atrás, e assim a sabedoria de nossos ancestrais poderá dilatar-se e
Amadurecer em cada rebento que brotar. Assim nossas raízes se aprofundam e
Nossas palavras nunca morrerão.
Com a lembrança dos mortos ela silenciou por um instante e levantando-se
Cochichou em tom mais alegre.
- Enquanto eu me sentava assustada como um camundongo, igual a você agora,
Minha sogra me disse: “O corpo da mulher acompanha a lua. Não é fixo e
Rígido como o do homem. A felicidade e a tristeza da mulher assumem várias
Formas, a cada dia a claridade de sua luz e as profundezas misteriosas de suas
Sombras podem mudar. A mulher está tão perto da terra quanto das alturas.
Cresce como a seara, amadurece como o fruto. Quando, depois, de chegarem muitas crianças, você vai se olhar e se perguntar. E meu filho vai olhar pra você e
Perguntar onde está a beleza da juventude. Lembre-se disso e diga-lhe isso. O
Corpo de sua juventude acompanha sua juventude, e o corpo da colheita é o
Corpo de seus anos tardios. Observe como a natureza se veste em cada
Estação. No verão enfeitam-se os campos de flores cor-de-rosa e encarnadas,
Frutifica em pêssegos, mangas e limões, e, quando a estação esfria, também
Ela se veste com nuanças mais escuras de marrom, castanho-avermelhado e ouro,
Para, durante as chuvas tornarem-se um misto de cinzas e azuis tempestuosos.
“A Mulher deve orgulhar-se sempre e cuidar de si”. São princípios que nunca
Abandonamos mesmo nós idosas.
Com estas palavras ela se levantou e rindo espalhafatosamente. Pegou a minha
Vela e me deixou em completa escuridão. Eu estava encantada. Naquela noite
Deitada entre minhas irmãs não consegui pregar o olho. Ela me mostrara seu
Próprio corpo como um monumento magnificente do espírito humano sobre a
Adversidade. Como desejei que o meu corpo também envelhecesse com graça, para
Esculpir a vitória do meu espírito e ostentar minha carne pendente, como manto
Majestático de uma vida bem vivida. Parecia que cada pessoa, de minha mãe à
Minha sogra tinha uma definição própria sobre o que é uma mulher. Assim
Descobri que todas nós temos que encontrar nosso próprio caminho, nossas
Próprias palavras, nossa própria estação.
Texto adaptado do livro Zenzele uma carta para minha filha
Autora: J. Nozipo Maraire Ed. Mandarim 1996 páginas 60 a 64.

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